O ano de 2020 em revista: ainda se lembra do que aconteceu?
Janeiro, Fevereiro, Covid, Dezembro.
A piada circulou nas redes e espelha o sentimento generalizado: um ano rápido e intenso, mas de grande aprendizagem.
2020 foi quase um ciclo de mercado, condensado em poucos meses.
Assistimos à entrada em Bear Market mais rápida da história - 35% em 33 dias - seguida de uma recuperação assinalável, que fechou o ano em terreno positivo (6%).
Neste artigo relembramos os principais eventos, as jogadas especulativas, os stock splits de empresas como a Tesla, a Apple e o IPO da AirbnB - e o que podemos aprender com estes episódios.
Há algumas lições essenciais a retirar...
Controlar o que é passível de ser controlado. Diversificar a carteira de investimentos. Constituir um fundo de emergência e investir na literacia financeira.
Preparado(a) para rever um ano que vai ficar para a história?
1º Trimestre: Arranque vigoroso dos mercados e o anúncio que ninguém esperava
Janeiro começou forte.
Aproveitou o embalo da boa performance dos mercados accionistas em 2019 - que subiram cerca de 30% - e atingiram-se novos máximos.
Talvez já não se lembre do episódio seguinte, mas em Janeiro houve um ataque. Os EUA enviaram um míssil que matou um general iraniano. O atentado incendiou a região do Médio Oriente e provocou o aumento do preço do petróleo e do ouro.
Outras problemáticas geopolíticas entre China e os EUA marcaram a agenda.
Imune a estas questões, o mercado continuou a sua subida sem grandes impactos.
Mas eis que chega o final de Janeiro.
Começou a falar-se do vírus, embora sem lhe dar a importância que viria a ter na vida dos mercados, das empresas e das pessoas.
Compreensível. Já tinha havido outros vírus e a situação fora controlada sem grandes consequências.
O mercado não entrou logo em pânico. O nervosismo foi gradual. À medida que a contaminação alastrava, aí sim, começou a afectar os mercados.
Brace for impact: O embate do vírus na vida "normal"
Confinamento. Privação da liberdade de movimentos a favor da saúde pública. O choque com a nova realidade.
Primeiro, anteciparam-se problemas de abastecimento, por parte da China, das empresas europeias e americanas. Havia o risco de as mercadorias não chegarem.
Ainda se lembra da corrida aos supermercados?
Nos primeiros tempos, houve algum impacto, mas nada que se comparasse ao que aí vinha.
Quando a pandemia se espalhou, começaram os choques do lado da procura. Como as pessoas não podiam sair de casa, começou a antever-se o efeito nocivo do vírus na actividade das empresas.
E foi quando o mundo assistiu à entrada em Bear Market* mais rápida da história. Uma queda de 35% em 33 dias (desde o máximo, em finais de Fevereiro, a 23 de Março). Uma data histórica para a crise.
*Considera-se ‘bear market’ 20% de queda desde o máximo do mercado.
Bancos Centrais sustêm o mercado
Talvez pela primeira vez desde há algum tempo, surgiu algo inédito: um vírus comum a todos os Estados.
Por isso, o consenso foi mais fácil. E também por se tratar de uma questão de saúde pública. Como não havia a quem apontar o dedo, os Bancos Centrais tiveram uma resposta robusta que não deixou afundar mais o mercado.
A crise estagnou, criou-se um balão de oxigénio e houve espaço para alguma recuperação. Logo nesta fase, começaram a destacar-se algumas áreas de actividade.
Vencedores e vencidos: Confinamento diferencia sectores
Se na era pré-Covid o trabalho remoto era uma discussão a ter (e muitas vezes adiada para mais tarde), o coronavírus transformou-a numa prática comum e generalizada.
A transformação digital passou a ser a preocupação número 1 das empresas e as grandes tecnológicas saíram a ganhar.
Do outro lado da barricada, a economia mais antiga, como o sector industrial ou das matérias-primas, perdeu espaço, recursos e colaboradores.
Mas em todas as crises, há sempre os que aproveitam as oportunidades. E houve alguns casos assinaláveis, como o de Bill Ackman.
O fundador e executivo da Pershing Square Capital Management, antecipou a queda das cotações nas bolsas de valores. Apostou que a solvência de muitas empresas iria ser afectada.
Resultado? Transformou 27 milhões de euros em 2,6 mil milhões de euros. Em apenas alguns dias lucrou 10.000%.
2º Trimestre: Falências e IPOs, jogos de apostas e a retoma do mercado
Ao contrário do que se possa pensar, a economia e os mercado financeiros não são a mesma coisa, nem têm uma relação causa-efeito tão directa.
Os mercados olham para a frente alguns meses ou até anos.
Podemos estar numa situação económica grave, mas se as perspectivas forem optimistas, os mercados valorizam. E o oposto também acontece.
Em Junho, a economia foi prejudicada com os confinamentos e várias empresas americanas entraram em insolvência.
A Hertz, empresa de rent-a-car, foi uma delas. Mas com um "twist" interessante para analisar.
Jogadas financeiras e a importância da literacia financeira para o investidor comum
A Hertz estava falida.
A companhia de aluguer de automóveis discutia o Chapter 11 (processo de falência nos EUA). Os credores da empresa iam vender o activo e tentar recuperar o máximo possível.
Como a empresa depende fortemente do turismo, com o vírus o negócio caiu a pique e as acções acompanharam a descida.
Passou de 20 dólares no final de Janeiro para menos de 1 dólar em Abril. Um valor que os especuladores agressivos e os day-traders fizeram disparar para os 5/6 dólares.
Como?
Os especuladores apostaram na possibilidade da empresa sobreviver à falência.
Aproveitando o interesse súbito pela empresa, a Hertz propôs ao tribunal que apreciava a falência emitir novas acções no valor de 500 milhões de dólares. Ou seja, a empresa financiava-se, mas continuava a valer pouco ou nada.
Com esta operação o investidor sem literacia e sem saber avaliar uma empresa perderia o seu dinheiro (e os obrigacionistas encaixavam uns milhões).
A parente americana da CMVM impediu a operação. Mas é possível ver como as coisas podem subir e valorizar sem qualquer racional económico.
A juntar a este comportamento especulativo, com o fecho dos casinos e das salas de apostas, as corretoras com comissões gratuitas, como a RobinHood, ganharam novos utilizadores - ansiosos por investir, mas sem o devido conhecimento.
Apesar destes episódios, o final de Junho foi um dos melhores trimestres desde há 30 anos com subidas de dois dígitos do S&P (20%) e do NASDAQ (30%).
3º Trimestre: febre das IPO's e uma das recuperações mais rápidas de um Bear Market
Na gíria financeira diz-se que os mercados descem de elevador e sobem de escadas. E foi isso que aconteceu. Bastou 1 mês para o mercado cair e 5 meses para voltar a reerguer-se e atingir novos máximos.
Em Agosto, o S&P já tinha recuperado das quedas,
sendo a 3.ª recuperação mais rápida de um Bear Market.
Os investidores sofreram, mas a dor foi passageira. Uma crise prolongada teria tido impactos mais profundos que nem fortes analgésicos conseguiriam neutralizar.
Convém recordar que a maior parte das crises demora bem mais tempo a recuperar.
Face às boas notícias, o que aproveitaram as empresas para fazer? IPOs. Em julho começou a febre das Initial Public Offerings.
Várias companhias como a Snowflake e a Airbnb embarcaram neste tipo de oferta.
Agosto: O querido mês dos Stock Split e uma oportunidades para os investidores privados
Um Stock Split consiste em dividir as acções em mais partes. O valor da empresa é o mesmo, está é dividido em partes mais pequenas, ou seja, cada acção está mais barata.
Apple e Tesla, duas empresas de alta performance, anunciaram a sua intenção de desdobrar as suas acções.
Para os investidores institucionais não tem grande significado.
Mas é um cenário interessante para os investidores de retalho porque lhes dá acesso à compra de títulos - antes a preços proibitivos.
No entanto, há que ter atenção. A tendência é comparar o valor antes do Split e comprar sem ponderar outras variáveis. Em termos de mercados eficientes, esta operação não devia mexer no valor da empresa. Mas nos mercados reais acontece.
A Apple e a Tesla dispararam. Juntaram, na sua essência, mais gasolina à festa da performance dos títulos.
4º Trimestre: Presente de Natal inesperado e o fecho dos mercados em terreno positivo
Final das férias. Setembro marca o regresso à vida normal (pós-Covid).
Vários eventos sucedem-se, quase em simultâneo, com impacto nos mercados accionistas:
Começa mais cedo a 2.ª vaga da Covid;
A dominância das Big Techs é analisada pelo Congresso americano;
Estudam-se acções regulatórias relevantes para estimular um comportamento das tecnológicas mais aberto à concorrência;
Aproximam-se as eleições americanas (Trump vs Biden).
O mercado corrige ligeiramente até ao final de Outubro. Registou-se uma queda na ordem dos 9%, mas estas quedas intermédias são frequentes e expectáveis.
Aliás, novos recordes estavam para serem batidos.
O súbito anúncio das vacinas e as eleições americanas
Primeiro, as eleições norte-americanas foram menos conturbadas do que seria expectável.
Segundo, a notícia que toda a gente esperava, mas não tão cedo: as vacinas seriam produzidas e disponibilizadas logo no início de 2021.
Naturalmente, o mercado reagiu com subidas constantes até ao final do ano e com novos recordes a serem quebrados sistematicamente.
Nos últimos meses de 2021, há ainda alguns eventos importantes a reter:
IPO da AirbnB (IPO = Initial Public Offering, admissão à bolsa);
Acordo do Brexit ficou resolvido.
Tesla é dos títulos com maior valorização, embora tenha lucros residuais; este fenómeno deve-se ao grande optimismo face ao futuro da empresa e à sua estreia no S&P, logo para o Top 10;
Índice mundial de acções a subir cerca de 6%;
A Bitcoin também foi notícia. Fechou 2020 a valer $30.000 depois de ter estado a perder 80% durante alguns anos.
Que aprendizagens podemos levar de 2020?
Antes de mais, importa reforçar a importância de ter um fundo de emergência. Esta necessidade aplica-se tanto às pessoas, como ao Estado e às empresas.
Quem tem capital e poucas dívidas, está mais bem posicionado para responder às oscilações do mercado ou a eventos disruptivos - como uma pandemia. Por isso no PPR SGF Stoik gostamos de deter empresas de grande qualidade, financeiramente robustas.
Depois, quem investe 100% em acções tem que estar preparado para cenários de perdas temporárias.
Se a estagnação nas perdas de 35% se prolongasse no tempo, não seria o fim do mundo. É certo que recuaríamos a valores de 2016, mas estes episódios acontecem nos mercados accionistas.
É preciso saber que as quedas acontecem para, como investidores, evitarmos reações impulsivas e podermos receber os retornos superiores dos mercados accionistas.
Este ano mostrou também que as previsões valem pouco. É arriscado olhar para o passado e tentar estimar o que vai acontecer. Ninguém prevê o futuro.
No entanto, ‘a história não se repete, mas rima’ (Mark Twain).
Em 2021, é importante manter o foco no que é controlável
Olhando para a frente, quedas desta ordem ou até um pouco superiores podem acontecer - e demorar mais tempo a recuperar. Temos de estar preparados.
Um portfólio diversificado com empresas de grande qualidade é como uma vacina que imuniza contra a volatilidade dos mercados e permite obter bons retornos no longo prazo.
No estoicismo, filosofia que inspira a nossa abordagem de investimentos, faz-se a separação entre as coisas sobre as quais temos controlo e aquelas sobre as quais não temos nenhum domínio.
A nossa poupança, rendimentos e despesas são variáveis sob a nossa alçada. Podemos também controlar o nível de literacia e conhecimento financeiro.
Já nos mercados, temos pouco controlo. Podemos seleccionar o que consideramos serem os melhores investimentos, é certo, mas não controlamos os eventos. Podemos - e devemos - estar preparados para o que o mercado lançar no nosso caminho.
Desenvolver as áreas que podemos controlar ajuda à melhoria da situação financeira. Esse deve ser o foco!
Lembre-se que conseguir 100% num investimento específico num ano, não vale nada em termos financeiros, quando comparado com ganhos consistentes do nosso portfolio durante décadas.
Assim se cria a riqueza.